Já havia pensado, lido e ouvido sobre escrever ser 'uma forma de aprisionar ideias e pensamentos', assim como fotografar seria 'uma forma de aprisionar momentos'. Mas as ideias estão sempre mudando, e os sentimentos, assim como momentos, são passageiros. Só de imaginar estar aprisionando coisas tão livres, comecei a ter calafrios, e sonhos terríveis me visitavam todas as noites.
Não queria acabar com a liberdade de nada, mas escrever e fotografar eram coisas mágicas para mim. Será que eram coisas tão perversas? Ou será que precisavam de uma definição nova? Uma daquelas mais abrangentes, mais humanas, talvez resolvessem o problema.
O fato é que pensei no assunto incontáveis dias. Comia mal, dormia mal, estava (ainda mais) distraída... mamãe até achou que eu estivesse doente. Tentei brincar, cantar, conversar... Mas nada afastava aqueles pensamentos. Nada tirava a visão do mal que eu (e grande parte da humanidade) estávamos fazendo. Um dia, quis sair desenhando o mundo todo, mas... -Oh céus! Isso seria aprisionar minha visão do mundo!
Quantas ideias, visões e momentos eu já teria prendido? E a humanidade toda continuava prendendo quem deveria ser livre e deixando os bandidos pelas ruas? Isso só podia estar errado. Eu precisava descobrir se essa era a verdade sobre escrever, fotografar e desenhar mesmo. E iniciei a minha busca torcendo para ser tudo mentira e para que eu, e toda a humanidade, não fossemos culpados.

Nenhum dicionário trazia aquele verbo tão cruel, nenhum dicionário me acusava de 'aprisionar' nada. Mas então, por que as pessoas ainda insistiam em uma definição tão perturbadora? Na mesma época, comecei a ler um livro grandão, 'O Mundo de Sofia'. Comecei a conhecer alguns filósofos e fui entendendo que nenhuma verdade é absoluta. Que tudo depende de uma opinião, de um ponto de vista. E se era assim, eu também poderia criar uma nova definição para aquilo que eu tanto gostava e temia que fosse uma injustiça gigante.
Como aprisionar coisas livres era crudelíssimo (e não uso o superlativo apenas por gosto, como um tal de José Dias usava), poderia considerar escrever, fotografar e desenhar um simples registro. Um bilhete que deixamos para nós mesmos para não esquecermos o que aconteceu, o que foi pensado, ou o modo como viu o mundo em determinada hora. Podemos jogar papéis fora, rasgar fotos, deletar arquivos, ou só perder nossas coisas. Isso pode ser o caso clássico de recado não dado, ou o mais clássico ainda de recado rejeitado.
Com a nova definição criada, me senti livre novamente. Nem eu, nem toda a sociedade merecíamos ser punidos por aprisionar coisas em eterna transformação. Ninguém estava fazendo maldade, ninguém estava negando liberdade, ninguém estava atrapalhando a evolução das coisas... ao menos, não desse jeito.
Meus escritos, minhas fotos e meus desenhos são assim. Bilhetes que deixo a mim mesma, para poder perceber, que sou aquela eterna metamorfose ambulante.
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